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UFMG: pesquisa mostra aprofundamento de desigualdades na infância

Menina descreveu a Covid como a doença que aproxima e afasta as pessoas

Por João Cerino em 09/05/2021 às 12:59:13

"A doença que aproxima e afasta as pessoas". Foi assim que uma menina de 10 anos, da região metropolitana de Belo Horizonte, revelou o que sente com a pandemia. Ela faz parte da pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) que analisa as experiĂȘncias de crianças em tempos de pandemia do novo coronavĂ­rus. Foram 2.200 participantes de 8 a 12 anos. Entre os resultados dos estudos, percepções sobre a vivĂȘncia familiar, mas, sobretudo, a evidĂȘncia de que as desigualdades se aprofundam, deixando crianças ainda mais vulnerĂĄveis.

"As crianças estão sofrendo, sofrendo pela ausĂȘncia de escola, pela mudança do seu cotidiano, pela mudança no seu contexto de relações, pela experiĂȘncia subjetiva de lidar com a incerteza, com o medo de adoecimento, mas a gente observa que hĂĄ uma desigualdade na forma de vivenciar essa experiĂȘncia. Esse é um elemento muito importante", explica Isabel de Oliveira, professora da Faculdade de Educação da UFMG e pesquisadora do NĂșcleo de Estudos e Pesquisa sobre InfĂąncia e Educação Infantil (Nepei).

Ela cita como exemplo o acesso à escolarização. Ao analisar o uso de computador, tablet, celular ou internet em casa, viu-se que mais crianças que se autodeclararam brancas afirmaram ter acesso a essas ferramentas do que as pardas e as pretas. Entre as que não tĂȘm acesso à internet, 11,1% moram em territórios de alta vulnerabilidade. O mesmo ocorre com o acesso ao celular: 11,6%.

A pesquisa foi desenvolvida por meio de um questionĂĄrio online entre os dias 11 de junho e 15 de julho de 2020, com perguntas abertas e fechadas. Além disso, as crianças puderam enviar desenhos, fotografias e mensagens. Na segunda fase, entre agosto e dezembro, foram feitas entrevistas com 33 dos voluntĂĄrios que participaram na primeira etapa.

Isabel explica que é fundamental ouvir as crianças, inclusive, para formulação de polĂ­ticas que respondam a essas vivĂȘncias. A prĂĄtica é comum no Nepei e parte do reconhecimento de que elas podem e devem se posicionar, mas também o reconhecimento de um direito. "JĂĄ estĂĄ previsto legalmente. Então entendemos que era nosso papel buscar ouvir", aponta. O estudo, a partir da escuta das crianças, definiu recomendações para o Poder PĂșblico e a sociedade no atendimento desse pĂșblico na pandemia. Uma delas é, justamente, ouvi-las.

Outros achados

O trabalho revelou que as crianças tĂȘm um conhecimento apurado sobre os significados da pandemia, demonstrando, por exemplo, saber sobre a importĂąncia do isolamento. A solidariedade intergeracional também foi uma marca encontrada. "Em geral, elas tinham essa compreensão de que o maior risco era para as gerações mais velhas e elas diziam então que elas tinham o dever, a responsabilidade de aderir ao isolamento social em função da proteção dessas pessoas mais velhas", aponta a pesquisadora.

A vivĂȘncia de angĂșstias e medos também apareceram entre as respostas. "Elas se viram mais confrontadas com temas que não necessariamente faziam parte dos assuntos com os quais elas se envolviam, como o tema da morte, o tema do adoecimento, o medo da morte de pessoas próximas, medo de ficarem sozinhas", explica Isabel. Em contraponto, as crianças demonstraram a capacidade de desenvolver estratégias de aprendizados e a valorização da convivĂȘncia familiar.

Recomendações

Entre as recomendações, além do exercĂ­cio de escutar as crianças para desenvolver polĂ­ticas pĂșblicas e pedagógicas, Isabel destaca a necessidade de considerar as desigualdades reveladas. "É preciso considerar que as mudanças na experiĂȘncia cotidiana aconteceram para todas as crianças, mas a forma como isso acontece é muito diferente considerando a condição social e que hĂĄ entre as crianças situações de ainda maior vulnerabilidade do que aquela que jĂĄ existia."

A professora reforça ainda a importĂąncia de que essas vivĂȘncias na pandemia sejam observadas no retorno às aulas. "Precisa olhar essa criança e não o conteĂșdo eventualmente perdido. Que criança é essa que volta agora e com a qual a gente vai voltar a trabalhar?", questiona. Ela cita como exemplo as possĂ­veis perdas de familiares e adoecimentos. Ainda nos casos em que permanece o ensino remoto, a pesquisadora aponta que não se deve buscar uma reprodução do modelo presencial.

Significado da escola

Mais de 80% das crianças ouvidas estavam preocupadas com a ausĂȘncia na escola. "A falta da escola revelou o quanto esse espaço é importante para as crianças. Nós tivemos um nĂșmero baixĂ­ssimo de crianças que falaram: "Melhor é não ir pra escola"." Além do local de ensino, a escola é relatada como o espaço e sociabilidade, do encontro com os amigos e da aprendizagem conjunta.

"Não é um funcionamento que separa o cognitivo do restante. A gente jĂĄ sabe disso teoricamente, mas foi interessante ouvir isso das próprias crianças. A condição delas de aprendizagem do conteĂșdo precisa ser de forma integral, considerando saĂșde fĂ­sica, emocional, suas condições e relações sociais".

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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