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Coronavírus pode estar ativando vírus primitivo e aumentar mortes

Um vírus primitivo, presente nos humanos há milhares de anos, pode estar sendo ativado pelo coronavírus e provocando aumento de mortes em pacientes graves

Por João Cerino em 22/05/2021 às 09:49:53

Um vĂ­rus primitivo, presente nos humanos hĂĄ milhares de anos, pode estar sendo ativado pelo coronavĂ­rus e provocando aumento de mortes em pacientes graves. A hipótese faz parte de um estudo coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz que pode ajudar a compreender por que alguns pacientes graves submetidos à ventilação mecânica conseguem deixar a UTI, enquanto outros não sobrevivem à Covid-19.

A pesquisa indica que a presença do retrovĂ­rus endógeno humano da famĂ­lia K (HERV-K) estĂĄ associada não só ao agravamento da doença como também à mortalidade precoce. De março a dezembro de 2020, o estudo "Ativação do RetrovĂ­rus Endógeno Humano K no Trato Respiratório Inferior de Pacientes com Covid-19 Grave Associada à Mortalidade Precoce" acompanhou 25 pessoas em estado crĂ­tico que necessitaram de ventilação mecânica. Com idade média de 57 anos, elas estavam internadas no Instituto D"Or e no Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer.

"A progressão de casos brandos para graves vinha sendo associada à hipóxia, inflamação descontrolada e coagulopatia. No entanto, os mecanismos envolvidos com a mortalidade em casos muito graves ainda não são bem conhecidos. Para isso, o estudo buscou compreender o viroma do aspirado traqueal de indivĂ­duos em ventilação mecânica — isto é, os vĂ­rus presentes na amostra. Os testes mostraram nĂ­veis altos de HERV-K, em comparação com exames de pacientes com casos brandos e de não infectados", explicou a Fiocruz.

O coordenador do estudo foi Thiago Moreno, do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em SaĂșde (CDTS/Fiocruz). "Verificamos o viroma de uma população com uma altĂ­ssima gravidade, em que a taxa de mortalidade chega a 80% para ver se algum outro vĂ­rus estava co-infectando esse paciente que estĂĄ debilitado, imunossuprimido. A nossa surpresa foi encontrar esses altos nĂ­veis de retrovĂ­rus endógeno K. É o tipo de pesquisa que parte de uma abordagem completa não enviesada. Isso dĂĄ muita força, muita credibilidade ao achado", explicou o cientista.

ANCESTRAL

Segundo o estudo, o HERV-K é um retrovĂ­rus endógeno, um vĂ­rus ancestral que infectou o genoma humano quando humanos e chimpanzés estavam se dissociando na escala evolutiva. Alguns desses elementos genéticos estão presentes nos nossos cromossomos. Muitos ficam silenciosos durante a maior parte da vida, mas parece que, de alguma forma, o Sars-CoV-2 pode ter reativado esse retrovĂ­rus ancestral. O Ă­ndice de morte em pacientes graves de Covid-19 chega a 50% entre os que apresentam altos nĂ­veis de HERV-K.

O estudo estabeleceu ainda uma ligação direta: ao infectar em laboratório uma célula de uma pessoa saudĂĄvel com o Sars-CoV-2, houve um aumento nos nĂ­veis do HERV-K. "A gente estabeleceu, de fato, que o Sars-CoV-2 é o gatilho para o aumento desses retrovĂ­rus endógenos, para despertar os genes silenciosos", disse Moreno.

Junto com o aumento dos nĂ­veis do HERV-K nos pacientes, os pesquisadores perceberam que fatores de coagulação foram mais consumidos, que ocorreram mais processos inflamatórios e que diminuĂ­ram os nĂșmeros de fatores necessĂĄrios para a sobrevivĂȘncia de células do sistema imune. Conforme os nĂ­veis de HERV-K aumentaram, os nĂșmeros de monócitos inflamados ativados também cresceram. "Esses nĂ­veis de HERV-K se correlacionaram com o que se chamou de mortalidade precoce, como menos de 28 dias de internação", conta Thiago.

GENES

A pesquisa é ainda a primeira evidĂȘncia da presença desse retrovĂ­rus no trato respiratório e no plasma de pacientes graves de Covid-19. A presença do HERV-K, que ocorre também em outras doenças, como câncer e esclerose mĂșltipla, pode ser usada como um biomarcador associado à gravidade em casos de Covid-19. Sua detecção precoce poderia reforçar o uso de determinadas estratégias, como o uso de anticoagulantes e anti-inflamatórios.

Mas ainda é difĂ­cil saber por que isso ocorre em algumas pessoas e não em outras. "Esse despertar de genes silenciosos é o que pode fazer a diferença das evoluções. Talvez o sinal para o silenciamento de determinados retrovĂ­rus endógenos seja mais forte em algumas pessoas do que em outras. Parece estar associada à gravidade essa capacidade do novo coronavĂ­rus de mudar o perfil epigenético da célula do hospedeiro, ativando inclusive vĂ­rus ancestrais, alguns deles que deveriam estar adormecidos no nosso genoma", comentou o coordenador do estudo.

Além da Fiocruz, fazem parte da pesquisa cientistas da Universidade Federal de Juiz de Fora, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer e da empresa MGI Tech.


* Com informações da AgĂȘncia Fiocruz de NotĂ­cias

Fonte: AgĂȘncia Brasil

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